segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Encerrramento

Último dia do ano. É incrível como os minutos, as horas, os dias, os meses e finalmente os anos se sucedem tão rapidamente.
Aqui nesta última manhã fria de Dezembro, frente ao meu castelo, penso nas coisas que me foram acontecendo neste tempo... Umas esperadas, outras inesperadas, umas boas, outras menos boas.
Mas todas muito importantes.
Gosto de viver, de rir, de saborear a vida, de a ver pelo seu aspecto mais positivo. Por isso 2007 foi um bom ano! Carpe Diem!
E 2008 vai ser concerteza melhor!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Frontal...

Pensei muito antes de postar este texto, há algum tempo que aqui anda a aguardar... Porque o vocabulário é cru, é directo, é quase obsceno... Mas gosto tanto dele, acho que está tão bem escrito, é tão verdadeiro! Aqui fica... as minhas desculpas se chocar...




Todos os filhos da puta têm um nome.
Porque se chama puta à mãe se o sacana é o filho?
Por isso digo:Todos os sacanas têm um nome!
E mães que podem ou não ser putas que pariram um sacana.
Não é socialmente aceitável, correcto
Falar com putas
Mas é-se amigo de sacanas.
Evitam-se as putas na rua
Recebem-se os sacanas em casa.
Se a cara do sacana reflectisse o que ele é,
Como o corpo da puta denuncia o que ela faz.
Não evitaríamos,
Atiraríamos pedras,
Construiríamos guetos para sacanas?
O problema é esse!
É que ser puta é uma máscara e ser sacana vem de dentro.
Eu prefiro estar rodeada de putas
A cruzar-me com um sacana.

Encandescente (Poetisa e escritora criadora do blog Erotismo na Cidade), publicado a 19-09-2006.

Quero definir-te o que é este sentimento....

Quero definir-te o que é este sentimento:

o que pertence à esfera daquilo que a razão

não domina,ou simplesmente nasce da noite,

e de tudo o que a envolve. Falo de uma

íntima relação entre os seres, de emoções

que se transmitem para além de palavras e

conceitos, de um encontro de corpos na

esfera do segredo. Dir-me-ás: "Para que

precisas de uma explicação para o amor?"

Mas é a sua inutilidade que me interessa;

a dádiva, o simples dizer que as coisas são

assim porque são, e para além disso tudo

se complica. Podes, então, rir do que te

digo; ou simplesmente dizer-me que as

palavras nada substituem, e que tudo o que

elas nos dão está a mais. Mas o amor

pertence-nos. Não o podemos deitar fora;

nem fingir que não existe, como não existe

o infinito, a transcendência, a abstracção

ivina, para quem só crê no concreto.

Éverdade que o amor não se vê: o que vejo

são os teus olhos, a ternura súbita das

suas pálpebras, e o que elas abrem e

escondem numa hesitação de luz.

Eis, então,o que define este sentimento:

um intervalo,uma distracção do tempo,

a divina abstracçãodo infinito

na transcendência do real.





Nuno Júdice (Escritor e Poeta português, 1949- )

Chico Buarque define solidão

Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo...
Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... I
sto é saudade!

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente...
Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
Isto e circunstância!

Solidão é muito mais do que isto...SOLIDÃO é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.


Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.


David Mourão-Ferreira (Poeta português, 1927-1996)

sábado, 15 de dezembro de 2007

Presentes e ausentes

Hoje lá aproveitei a minha tarde livre para ir comprar os presentes de Natal da praxe. Poderia fazer aqui uma dissertação sobre os estafados lugares comuns do consumismo, do que se gasta em prendas e bens supérfluos quando há tantos que nada têm, do que se dá em bens materiais, quando se falta na dádiva de outras coisas essenciais que o dinheiro não compra. Já há pouca pachorra para repetir as mesmas conversas de sempre contra os hábitos da quadra natalícia, até porque muitas vezes as condenações destes hábitos são mais para inglês ver.
Eu cá por mim, nestas coisas, sou algo pragmática… Gosto pouco de comprar presentes em datas marcadas, mas lá tem que ser, só compro presentes para a minha família do coração, ou seja, para os que amo, sejam ou não da família… Gosto de os ver abrir, de ver nos olhos das crianças o prazer ansioso, enquanto se rasga o papel, enfim fico feliz com o seu prazer.
Grave é quando, ausentes dos que amamos nos gestos mais simples e diários, nos queremos tornar presentes através de prendas cujo preço é muitas vezes inversamente proporcional à ternura e aos mimos que não demos.
Grave é quando não conseguimos deixar de olhar para o nosso umbigo e ver mais além, não precisa de ser para África ou qualquer país miserável longínquo, a falta do que é essencial existe à nossa porta, às vezes dentro da nossa casa.
Que se comprem prendas, mas que não se perca a capacidade de estarmos e sermos presentes na vida dos outros… Às vezes basta um sorriso, uma atenção, uma palavra e somos a prenda no sapatinho de alguém.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Era uma vez...

Gosto de ler, já o tinha dito aqui, quando me apresentei. Os livros abrem-nos as portas para mundos e pessoas, obrigam-nos a pensar, a imaginar e a sentir. Às vezes, quando lemos um livro, sentimos uma empatia especial, identificamo-nos com algum personagem, sentimento ou situação e ficamos com ele guardado cá dentro.
Os livros especiais gosto de os partilhar com os amigos, aconselho-os, ofereço-os e fico muito curiosa à espera da opinião de quem lê para saber se teve o mesmo prazer que eu.
Um dos livros que mais me marcou foi “As velas ardem até ao fim” de Sandor Marai, é dos tais livros de uma vida, onde ainda volto, de vez em quando, em momentos de reflexão. Lembrei-me dele hoje, porque leio “A Mulher Certa”, o seu último livro publicado cá. Só tenho uma palavra… Fabuloso.
Pode ser que ande aí alguém indeciso com as leituras ou com os presentes… fica em jeito de sugestão, e terei todo o gosto em saber se gostaram ou não.
A realidade é infinitamente mais rica que a literatura, mas quem não gosta de ler perde a oportunidade de apreender essa realidade em aspectos que nunca sonhou, viajar dentro de si através dos sentimentos e viagens dos outros, no fundo, interrogar-se e conhecer-se.
Fomentar o gosto pela leitura é obrigação de todos, citando Inês Pedrosa “ o amor à poesia não se aprende – nada do que é verdadeiramente fundamental na vida se aprende – mas pode contagiar-se”.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Lágrima

Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim o castigo
Eu não te quero
Eu digo que não te quero
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chão
Estando o meu xaile
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar



Amália Rodrigues (Fadista e poetisa portuguesa, 1920-1999)

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Da solidão...

Comunicamos em todo lado e de todas as formas… Telefone, sms, Internet. Ainda sou do tempo em que poucos tinham telefone fixo (pareço a senhora da publicidade… Ai que cota que sou!).
E nunca estivemos tão sozinhos… Famílias com cada vez menos filhos, cada vez mais pessoas que moram sós, porque calhou, porque optam por relações do tipo cada um na sua casa, porque não conseguem arranjar ninguém. E depois há os que, morando acompanhados, se cruzam com estranhos dentro da própria casa. Por vezes conhece-se tanta gente e ninguém para preencher aquele vazio cá dentro.
Já nem falo das pessoas de mais idade, armazenadas nos locais próprios, de olhares parados, fixos na porta da visita dominical, se a há… Se não, é o abandono. Criaram-se filhos, netos e fica-se para ali, ninguém tem tempo.
As esteticistas, os cabeleireiros, os médicos e todos aqueles cujos serviços implicam permanência temporal têm muitas vezes esse papel de ouvintes, de ser gente à escuta.
Facilmente se manda um sms, um e-mail e se põem ali em meia dúzia de palavras alguns sentimentos… Mas difícil é encontrar tempo cá dentro para ouvir os outros, para nos sentarmos, tomarmos um café, olharmos nos olhos, abraçarmos, rirmos, consolarmos. Absorvidos na voragem dos dias, andamos ocupados com nadas, esquecemos o essencial, esquecemo-nos dos outros e muitas vezes de nós.

domingo, 25 de novembro de 2007

Cúmplices....

A noite vem às vezes tão perdida
E quase nada parece bater certo
Há qualquer coisa em nós inquieta e ferida
E tudo o que era fundo fica perto

Nem sempre o chão da alma é seguro
Nem sempre o tempo cura qualquer dor
E o sabor a fim do mar que vem do escuro
É tantas vezes o que resta do calor

Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

Trocámos as palavras mais escondidas
Que só a noite arranca sem doer
Seremos cúmplices o resto da vida
Ou talvez só até amanhecer

Fica tão fácil entregar a alma
A quem nos traga um sopro do deserto
O olhar onde a distância nunca acalma
Esperando o que vier de peito aberto

Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

Mafalda Veiga (Poeta e cantora portuguesa, 1965- )
Após um tempo,
Aprendemos a diferença subtil
Entre segurar uma mão
E acorrentar uma alma,
E aprendemos
Que o amor não significa deitar-se
E uma companhia não significa segurança
E começamos a aprender...
Que os beijos não são contratos
E os presentes não são promessas
E começamos a aceitar as derrotas
De cabeça levantada e os olhos abertos
Aprendemos a construir
Todos os seus caminhos de hoje,
Porque a terra amanhã
É demasiado incerta para planos...
E os futuros têm um forma de ficarem
Pela metade.
E depois de um tempo
Aprendemos que se for demasiado,
Até um calorzinho do sol queima.
Assim plantamos nosso próprio jardim
E decoramos nossa própria alma,
Em vez de esperarmos que alguém nos traga flores.
E aprendemos que realmente podemos aguentar,
Que somos realmente fortes,
Que valemos realmente a pena,
E aprendemos e aprendemos...
E em cada dia aprendemos.


Jorge Luís Borges (Poeta Argentino, 1890-1986)
Tradução de Luís Eusébio

Anoiteceu

Anoiteceu
no meu olhar de feiticeira,
de estrela do mar, de céu, de lua cheia,
de garça perdida na areia.
Anoiteceu no meu olhar,
perdi as penas, não posso voar,
deixei filhos e ninhos,
cuidados, carinhos, no mar...
Só sei voar dentro de mim
neste sonho de abraçar
o céu sem fim, o mar, a terra inteira!
E trago o mar dentro de mim,
com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até ao fim,
até não mais acordar...
Então, voltarei a cruzar este céu e este mar,
voarei, voarei sem parar à volta da terra inteira!
Ninhos faria de lua cheia e depois,
dormiria na areia...

João Mendonça (Poeta Português)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Mãe hoje

Há receitas infalíveis para tantas coisas, devia haver uma receita para transformar crianças em adultos felizes, bem resolvidos. Olho à minha volta, penso nos casos que conheço e chego à conclusão que as variáveis são tantas que dificilmente se consegue apurar uma receita... Conheço famílias convencionais, estruturadas, com filhos de sucesso e com outros que acabaram em centros de recuperação, que nunca tiveram profissão. E o contrário também acontece! Famílias disfuncionais com filhos de sucesso e outros que nunca se encaminham na vida...
O que é certo é que nós, pais, procuramos fazer o nosso melhor... Primeiro alimentamos, cuidamos, vigiamos. Depois jardins de infância, colégios, escolas e aqui a coisa começa a complicar-se!
Porque me desculpem as mães de antigamente, mas parece-me que agora é mais difícil criar filhos! As solicitações são tantas...
Sou mãe de dois adolescentes, trabalho com adolescentes. Nunca houve tanta informação como agora e tão acessível, a Internet banalizou-se, a televisão, as revistas, os telemóveis. E nunca houve tanto desnorte como agora, tanta falta de regras e tanta dificuldade em defini-las.
Sobretudo porque a imposição de regras exige empenho, firmeza e dá trabalho, por isso conheço tantos pais que se demitem, que dizem sempre sim a tudo e depois, quando os problemas surgem, aparecem nas escolas pedindo aos professores : Veja lá se faz alguma coisa dele que eu não consigo... E normalmente, é tarde demais e já ninguém consegue.
Definir regras, incutir valores é fundamental. Mas só dando liberdade aos nossos adolescentes sabemos se a nossa mensagem chegou. Durante esse processo temos que os acompanhar, em cada erro, em cada sucesso, mimar, castigar. Sem garantias.
Chama-se a isso crescer.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Porque não te calas?

Eu gostei da atitude do Rei de Espanha, confesso. Podem dizer que não foi muito apropriada, que foi impulsiva, que se calhar até vai prejudicar não sei o quê... Quantas vezes não nos apeteceu já, em muitas situações, fazer o mesmo? Mandar às urtigas a boa educação, o decoro, o respeito por tantas coisas e dizer exactamente o que grita cá dentro e fazer exactamente o que nos apetece!
São as convenções e as regras que tornam o nosso mundo civilizado, ordeiro e expectável. Conduzimos pela direita, paramos nos semáforos, comemos com a boca fechada, não discutimos em público... E se alguém discute ou fala alto , olhamos pelo canto do olho e pensamos: Que horror, que falta de nível!
Quem não segue as convenções é apontado, cochichado e ... Temos uma facilidade enorme em nos armarmos em juízes, em julgar os outros, em apontar o dedo até ao dia em que... Qualquer coisa nos abana e pisamos o risco, abrimos o colete de forças, permitimo-nos ser nós, primordiais, básicos, autênticos. O tremor de terra pode ter várias origens: uma doença, um acidente, um desgosto, um amor... mas uma coisa é certa, a paisagem cá dentro nunca mais é a mesma! Reorganizamos os nossos pontos cardeais, redefinimos o norte e arrumamos as convenções no local próprio... Na prateleira das coisas que respeitamos, mas que não nos tiranizam.
Todos nós às vezes necessitamos e devemos dizer os nossos "Porque não te calas?", porque não somos de ferro e também temos os nossos dias não, porque há situações em que não nos devemos mesmo calar, mesmo que isso seja incómodo, porque nos faz bem.
Mas também devemos saber que há momentos em que o silêncio é a atitude mais sábia, aquela que mais nos protege e aos outros. O difícil mesmo é saber gerir os silêncios e as palavras, de modo a que nem uns nem outras nos sufoquem.
Quem disse que viver é fácil?

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Procura-se um Amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa.
Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância.
Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.


Vinícius De Moraes

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A menina dança?

Há coisas que, por mais que os anos passem e as modas evoluam nunca mudam, e uma delas é a necessidade que homem e mulher têm de se relacionar, de interagir…
A forma de entabular conhecimento é que tem vindo a mudar… Ainda me lembro daqueles anúncios da Crónica Feminina, que a minha mãe comprava todas as semanas, dos bailaricos de aldeia em que os rapazes convidavam as raparigas e assim se metia conversa, ou das saídas para as discotecas.
A internet é hoje o espaço privilegiado de encontros, conversas e namoros, destronando as formas tradicionais de estabelecer conhecimento. Nós estamos cada vez mais comodistas, mais absorvidos pelas nossas carreiras, profissões e falta de tempo, por isso quando chega ao fim do dia e finalmente chegamos exaustos a casa, em vez de sairmos bebermos um copo, lá nos sentamos com a nossa solidão frente ao computador e via msn, teclamos com os nossos amigos, colegas de trabalho, conhecidos, etc. Ou então podemos partir à descoberta de gente nova, cibernautas de nós, dos outros, dos sentimentos… À procura de algo que não se nomeia, mas que no fundo é comum a todos.
Assim proliferam sites de encontros, comunidades e, sobretudo, blogs, estes últimos das mais diversas naturezas… Sou uma leitora e comentadora assídua de alguns blogs, uns mais sérios, mais políticos, outros mais literários. Mas os blogs de mais sucesso, os que mais leitores cativam são aqueles que, dirigidos a homens ou mulheres, analisam as relações entre os dois sexos… Os textos que falam de amor, ciúme, traição, sexo são comentadíssimos e as opiniões aí expressas mostram que por mais que a técnica evolua não fugimos à nossa essência e que aquilo que é básico para nos sentirmos realizados como seres humanos não se altera…

Educação Sexual

Nunca, como hoje em dia, o sexo constituiu tanto tema de conversas, revistas, filmes, séries e programas.
Deixou de ser assunto sussurrado, mais ou menos secreto e veio para a luz do dia, democratizou-se.
Isto a propósito da tão propalada educação sexual nas escolas… Porque, que me perdoem os grandes estudiosos e os senhores professores doutores dos tais grupos que os governos vão criando, aí está quase tudo para fazer. Educação sexual não é ensinar o aparelho reprodutor! O ano passado, por pedido dos meus alunos, nas aulas de Formação Cívica, na faixa etária dos 13 anos e que sabiam o aparelho reprodutor na perfeição, vi-me na contingência de ter que elaborar um programa de educação sexual para responder às suas dúvidas e não encontrei nada oficial a que recorrer! Nem linhas orientadoras por ciclos, nem conteúdos mais adequados às diferentes idades, nada de concreto.
Guiei-me pelo bom senso, pesquisei, comprei livros, tirei dúvidas, ensinei a pôr o preservativo…
A semana passada perguntavam-me os do 9ºano… Setôra.. O que é o orgasmo? Quanto tempo é que dura? Porque é que há pessoas que não conseguem atingir? Eu já sou um pouco cota… No meu tempo não se falava disto, em parte nenhuma! E eu sou de letras, sem mestrado em sexologia ou qualquer formação específica na área…
Lá respondi, espero que bem. Sempre acrescento que foi das aulas mais bonitas que já tive… Passados os risinhos parvos do início e que disfarçavam o nervosismo deles aos colocar as perguntas porque nestas idades ninguém gosta de dar parte de fraco, quando eu comecei a responder, foi ver, num silêncio absoluto muitos pares de olhos a beber aquilo que dizia. E eu a pensar cá comigo… que grande responsabilidade! Muito maior que ensinar verbos…
Para quando um investimento sério na educação sexual que se traduza em algo de concreto no terreno?

domingo, 28 de outubro de 2007

Morre lentamente...

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.


Pablo Neruda

domingo, 21 de outubro de 2007

Mergulho...

Deixar a superfície, a segurança do pé assente no chão, a certeza da cabeça fora de água... E arriscar ir ao fundo... Descobrirmos as espécies mais raras, as plantas mais secretas, os odores mais recônditos...
Saborear os paladares marinhos, degustarmo-nos em cada descoberta... Ficar sem ar, deixarmo-nos levar pelas correntes! Sermos torrentes, turbilhão, voragem...Inebriados...
E voltar à tona... À paisagem familiar... à rotina, à segurança... Mas com um olhar diferente, um olhar de pérolas, algas, corais... No nariz um perfume que perdura... a sal que levamos nos olhos. Nas nossas vidas o ritmo das marés, a força das ondas, a influência das luas.
Mergulho.

Reflexão

Domingo à noite... Cá estou para escrever, conforme me tinha prometido e a quem gosta de me ler...
Este blog dá-me a possibilidade de escrever sobre aquilo que me apetece, quando me apetece. A escrita é um exercício recente na minha vida, não sou grande escritora, mas gosto de partilhar aquilo que sinto com as palavras que escolho. Outras vezes gosto de colocar textos que me agradam, de outros autores, deviadamente identificados.
Um blog desta natureza implica sempre uma exposição, revelarmos aos outros o nosso íntimo, numa partilha calculada de sentires e saberes... Por isso só comecei a escrever há pouco... Não estaria preparada antes, ainda não tinha vivido o suficiente, sofrido o suficiente, rido o suficiente...
Estou em contagem decrescente para os quarenta anos... E sinto-me muito bem na minha pele, com as minhas experiências... Com os meus erros que tanto me fizeram crescer e me ensinaram a ser mais tolerante, mais rica interiormente, mais aberta aos outros e ao mundo. Não quer dizer que viva em estado contemplativo e que tudo aceite! Não! Também me irrito, me entristeço, me indigno.. e não é pouco, sobretudo com a mesquinhez, a maldade, inveja! Então quando vêm de pesssoas de quem pouco esperei...
Não perdi ainda a capacidade de me surpreender... de me manter aberta à vida e ela não me tem falhado!

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Cais

Já aqui coloquei um texto sobre os amigos, logo no início. Hoje apeteceu-me voltar ao tema, por circunstâncias várias. Na altura falei que a nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.O problema é que nem sempre as partidas são pacíficas... Enquanto que as chegadas são momentos de alegria, de novidade, as partidas são muitas vezes sinónimo de perda, de dor, sobretudo quando sentimos que quem parte não regressará e porque normalmente os motivos da partida nos doem. Faz parte da vida e sabermos arrumar as ausências e o espaço de quem partiu, porque o terá sempre...é sinal de sabedoria e crescimento.
Importante é manter a porta aberta... Há tanta gente que nos enriquece, que é única... Todos somos únicos de alguma forma, na nossa diversidade. Por isso gosto de gente em geral... Por isso gosto de sair de casa em cada dia, porque todos os dias me surpreendo. Nem sempre as surpresas são boas, mas as más não lhe dou grande importância... Vão para a reciclagem... As boas dão cor aos meus dias e fazem-me sentir muito bem por respirar.
É manhã... Respiras, acordas e eu sinto.

sábado, 29 de setembro de 2007

Política, hoje...

Chove... O que eu gosto destas primeiras chuvas, do cheiro que exala a terra molhada, de ver a chuva cá do lado de dentro.
Este foi um grande Verão, pensando bem.. À minha estação chegou gente muito interessante, daquelas pessoas que se demoram, que ficam e que voltam e que nos põem um brilho nos olhos.
Hoje também é um dia importante e essa importância tem a ver com uma actividade minha que nunca foi aqui aflorada... A política. O meu partido mudou de liderança e espero que para melhor, ainda não perdi a capacidade de acreditar que se pode melhorar. Pelo menos gostei de ver uma votação em que cada um pôde escolher quem queria e não fazer-se representar por um qualquer que votaria de acordo com sabe-se lá quê. Fico a aguardar. Continuo a achar que a política não é essa coisa que se vê para aí e que faz afastar tanta gente. A política é o serviço aos outros, e quando assim não é trai-se a sua essência.
Gosto desta chuva, algures por aí, anda alguém para quem os pingos de chuva caem na mesma cadência dos meus... É bom sentir isso.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

No meu castelo..

Tenho a sorte de escrever voltada para o meu castelo, o mais lindo do mundo e poder imaginar histórias de princípes, princesas, corcéis, batalhas.. mas mesmo que da minha janela se não visse o castelo e para quem não tem um castelo à vista... O nosso castelo é onde quisermos... A nossa fortaleza, aquela onde nos recolhemos, onde carpimos as mágoas, onde vestimos as nossas armaduras para enfrentarmos o mundo, onde nos despimos e somos apenas nós, protegidos pelas ameias. Às vezes construímos ameias tão altas que ninguém se aproxima da nossa fortaleza e armadilhas... E às vezes há quem passe e chega a nós com notícias de países e sentires longínquos e pensamos no que perdemos, em todas as pessoas, todos os princípes e princesas a quem não franqueámos o melhor de nós, que não nos enriqueceram com as suas novas.
Olho o meu castelo, penso-te, abro-te a porta. Vem...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Carpe Diem....

Às vezes estamos sossegadinhos... Andamos na nossa vidinha, com as coisas muito arrumadinhas nas prateleiras, satisfazemos as nossas necessidades básicas e "tá-se bem"...
Não temos grandes felicidades, mas também não temos grandes amargos de boca... Vamos andando!
Até que, sem esperarmos, alguém nos surpreende, até já conhecíamos... mas... Irrompe por nós, despenteia-nos por dentro, ficamos num alvoroço e já nada parece arrumado e tudo é revolução e ficamos divididos, sinto, não sinto, devo não devo...
E ficamos tão vivos, vibrantes...

Não resisto a colocar aqui um pedaço de texto duma grande amiga e escritora que me parece muito adequado:

"A dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.Sofre-se porquê?Porque automaticamente se esquece o que foi desfrutado e se passa a sofrer pelas projeções irrealizadas...por todas as cidades que se gostaria de ter conhecido ao lado de alguém que amamos, por todos os filhos que se gostaria de ter tido,por todos livros e silêncios que se gostaria de ter partilhado. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que quem nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento,perdemos também a felicidade.A dor é inevitável.O sofrimento é opcional...Vivam... "

sábado, 15 de setembro de 2007

Pancada!

Bem... Tanto tempo sem escrever e agora que recomecei apetece-me mais! É como se as palavras e os sentimentos se tivessem acumulado todo este tempo e agora queiram sair...
Escrevi no meu texto de apresentação neste blog que gosto de gente... E gosto mesmo. Agora apeteceu-me agradecer a todas aquelas pessoas que... me enriquecem, me incentivam, me estimulam... Ou que me puxam as orelhas, quando preciso!Tenho muita sorte de os ter na minha vida... Vocês sabem quem são. Bem hajam!

Estações do ano

Voltei à escrita, à escola, à rotina... E gosto. Muito. As férias passaram, lá fui para norte, para sul, cumpri os calendários, as praxes das férias.
Volto à escrita de manhã cedo, como gosto, com o ainda frescor da noite a entrar-me pela janela e o cheiro do Outono a insinuar-se já. Gosto destas alternâncias... Gosto do Verão quando é Inverno, anseio pelo calor, pelas roupas leves, pelo ar quente. Gosto do Inverno quando é Verão... lembro com nostalgia os agasalhos, a sensação de entrar na minha casa quentinha quando venho da rua, o estar a ouvir chover no meu aconchego.
E depois adoro a Primavera, que me faz sentir uma vitalidade especial, regeneradora. Gosto de ir para a minha serra, agreste, e sentir os cheiros da minha infância, apanhar aquelas plantas e flores que só lá encontro.
E desta altura do ano também gosto... O cheiro da terra seca molhada pelas primeiras chuvas de Outono, as cores dos campos, o anunciar de mais um ano.
Cá dentro também há estações... Nem sei muito bem nomeá-las... Mas sei sentir. Se o corpo caminha para o Outono, cá dentro é Primavera... Parece que as coisas ocuparam os lugares que lhes estavam destinados e de cada uma sobressai o melhor, o que mais gosto. Não quer dizer que não haja aborrecimentos, coisas que corram menos bem, mas deixaram de ser relevantes, não me azedam os dias.
Relevante é acordar todos os dias, abrir a janela e gostar ...

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão para outro é arriscar envolver-se.
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor seu eu verdadeiro.

Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas ideias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.

Viver é arriscar-se a morrer...
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar
Mas... é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada.

Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer
mudar, amar, viver...

Acorrentadas às suas atitudes, são escravas,
abrem mão de sua liberdade.
Só a pessoa que arrisca é livre
Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.
Não se arriscar é perder a vida...


Sören Kierkegaard, algures no séc. XIX

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Partida.

Manhã cedo. Neblina fresca. Noite mal dormida. Estou de partida. Para o pé do mar, algures para norte, lá onde a água é mais fria e o vento mais forte. As palavras voltarão revigoradas, alimentadas de algas, maresia e sol. Mais claras, mais luminosas, mais salgadas.

segunda-feira, 23 de julho de 2007


Por entre as noites de perdição
A vida morre devagar
Embrulhada nos ventos da paixão
Dos poemas abertos de par em par
Que nos fazem canção
Que nos acordam outra vez ao sonhar
Por entre as noites de amor fugidio
A vida volta-nos as costas a rir
Dá-nos calor e dá-nos frio
Mostra-nos que temos de partir
Que somos um nada sem vazio
Que somos tudo em cada fugir
Por entre nós mesmos perdemos o norte
Damos tudo e ficamos pequenos na serra
Perdidos nos sonhos de maré forte
Nas luas que iluminam esta terra
De onde nascemos com sorte
De onde morreremos na guerra

Entre...

Férias.

Início de férias... Tempo pouco convidativo.Dentro e fora. À medida que os anos vão passando as coisas vão perdendo o seu encanto, a sua mística, deixam de ser vividas com aquele entusiasmo, excitação iniciais. A partida para férias era sssim como a partida para o desconhecido, para um tempo de descobertas dentro e fora de nós... Agora cumpre-se o calendário, fazem-se as malas, conferem-se os pertences... e lá nos transferimos para outro sítio levando-nos atrás de nós.
Podíamos mandar-nos de férias para qualquer lado e alojar em nós um inquilino qualquer, assim quando o nosso eu regressasse fazíamos-lhe um festa, tínhamos saudades e estávamos preparados para mais um ano.
Enfim, delírios de um fim de tarde friorento. Estou de férias.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Não gosto!

Alguém comentou o meu texto de apresentação no outro dia, dizendo que também devia dizer o que não gostava. Na altura achei um pouco descabido, num país onde as pessoas vivem sobretudo pela negativa... Achei que era o positivismo que me caracteriza que devia ficar a minha imagem de marca.
Mas hoje apetece-me dizer alguns não gosto.Uma pessoa não é de ferro e não está sempre bem disposta!
Aqui vão alguns não gosto! Não todos... claro! Não gosto de mentiras. Não gosto de deslealdades. Não gosto de ver achincalhar ninguém. Não gosto de gente mesquinha. Não gosto de mexilhões, nem ostras. Não gosto de gente armada ao fino e que espremida... Não gosto que as pessoas que eu gosto me desapareçam. Não gosto de dias de Verão frios. Não gosto de lambe-botas. Não gosto de estar mal-disposta, mas passa-me rápido. Já me está a apetecer rir! O que eu gosto de rir!

Fim de tarde...

Gosto muito do fim de tarde... Aquele período em que não é noite nem é dia. Especialmente se estiver numa grande cidade, gosto de me sentar num sítio e observar as pessoas nas suas correrias, imaginá-las: para onde vão, as suas histórias, as suas tristezas, as suas alegrias, os seus dramas. E sinto uma enorme paz interior que resulta da partilha com todos os que vejo de algo que não sei muito bem o que é... Talvez a percepção que no essencial somos todos muito iguais, apesar das máscaras que temos que usar. Chegados ao fim todos precisamos de um porto de abrigo... uma casa, uma família, um peito, um livro, um gato, um abraço, uma palavra e é para lá que corremos, que nos apressamos.
Neste fim de tarde de Verão, um pouco fresco, olho pela janela, vejo o mundo lá fora que corre. Estou no meu porto... acompanha-me a palavra.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Procuro-te

O que procuramos? Procuramos estar bem...Seja lá o que isso for e como for. O bem estar, a felicidade não são estados, são momentos em que pelos mais variados motivos alcançamos a tal plenitude.
O que procuramos e como procuramos é que nos faz diferentes uns dos outros. Uns precisam de um carro, outros uma casa, outros uma viagem, outros de um emprego, outros de amor, outros de atenção... Há gente que é feliz com tão pouco e outros a quem nada parece satisfazer...
Eu sou como muita gente... À procura de algo, que não é material. Com os meus medos, as minhas inseguranças. Parece-me tão pouco o que procuro... e ao mesmo tempo tão dificil de encontrar ... Talvez exija muito, não me contente com pouco! O pouco está sempre garantido, não é? Nestas circunstâncias o que queremos também passa pelos outros, pelo que nos trazem, pelo que nos enriquecem, pelo que lhes damos, pelo prazer que temos em dar e receber. Nos intervalos da vida passam pessoas - desconhecidos, conhecidos, sacanas, indiferentes, amigos, amores. Gosto de pessoas com coisas lá dentro que assomam aos olhos e quase que entram por mim nos meus olhos, mesmo se fujo.
Procuro-te.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Poema...

Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar."

De "O Canto do Vento nos Ciprestes"Maria do Rosário Pedreira

Chegou!

A morte veio hoje... Não tinha marcado nada, mas aguardavamo-la já há muito. Desejamo-la. Tão agarrados que somos à vida, tanto que a morte nos choca, tanto que fugimos , que nos revoltamos...
E agora agradecemos a sua vinda! É mesmo assim a vida... Molda-nos, põe-nos à prova, confronta-nos com o que nem sabemos que somos ou sentimos.
Ainda bem que a minha avó morreu, nos últimos dias, ao ver o seu sofrimento, pensei que era isso que merecia, que fosse rápido, que acabasse a tortura.
Quando nos tornamos farrapos de nós, quando perdemos o que nos caracteriza e distingue , quando só um corpo resiste mutilado, degradado. O corpo com que se amou, dançou, com que se teve filhos, que se alindou... agora cárcere, carrasco.
Boa viagem avó.

domingo, 8 de julho de 2007

Sob o signo da inquietação



o susto em nós foi avançar muito pra dentro
do proibido. Muito pra perto de uma zona
perigosa. A boca da noite. O desconhecido.
Vagos caminhos de uma via nebulosa.


Vários conceitos pra falar da mesma coisa
o susto em nós foi descobrir porteiras
de territórios nunca antes percorridos
no fundo de todos nós um visitante
no fundo a falta de sentido


Visitantes de nós mesmos cometeríamos
a imprudência de quase enlouquecer
pra chegar à compreensão.
E uma coisa afiada nos conduzia
através da trilha da poesia
e do difícil trajeto da paixão.



Bruna Lombardi

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Há tanta coisa que não entendemos... A dificuldade está em não julgar, em aceitar, especialmente quando o que é diferente nos toca de perto, entra por nós, nos abala.
Os livros, a ficção transportam-nos para realidades que às vezes nos parecem impossíveis, mas chego à conclusão que a ficção é muito mais pobre que a realidade. Quando li o último romance do Mário Vargas Lhosa "Travessuras da menina má", comentava-o com uma grande amiga e discutíamos as fronteiras entra o amor e obsessão, a doença, a falta de amor próprio e perguntávamo-nos como era possível alguém gostar de outro a ponto de abdicar de si, daquilo que é essencial para que nos sintamos seres humanos inteiros, amados, respeitados.
Mas é possível e mais do que isso frequente. Acontece todos os dias, ao nosso lado e se calhar até já connosco nalgum momento das nossas vidas.
O amor é cego, já diz o ditado popular e com sabedoria. Mas que raio de amor se alimenta de dor e mágoa?E quando vemos as pessoas de quem gostamos a serem maltratadas, no corpo, no espírito sem conseguirem sair, discernir, cortar, resta-nos a incredulidade, a incompreensão. E também estarmos cá e abrir os braços quando for necessário acolher, consolar. Esse tempo chegará.

Intervalo...

Chegaste... Palavra a palavra... Como seda, rompeste a malha, a couraça... Ocupaste o teu lugar. E não mais intervalo, mas só tempo inteiro, pleno. E depois olhar, gesto, cheiro, tudo. Disseste o meu nome com os dedos a fazerem sulcos na alma das palavras. Ficaste.

sábado, 30 de junho de 2007

Toca-me onde me dói e
verásuma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca
adivinhada de um mistério. Esta

é a tua vez de o desvendares -
paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez. Toca-me

por isso devagar, não me lembro
da primavera que fez nascer a
doença sobre a ferida, não sinto
o recorte da cicatriz que o tempo

pousou nela. Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem

cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido

de uma aldeia. Não adivinhes -
lá, onde me doer, vou recordar-me.

Maria do Rosário Pedreira (Escritora e poetisa portuguesa, 1959- )

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O cair da flor...

Os dias sucedem-se rapidamente, iguais em termos cronológicos para todos, mas tão diferentes para cada um.
Dentro de nós existem datas especiais, podem coincidir com as do calendário ou não, mas constituem marcos, às vezes somente lembranças, umas mais fugazes, umas mais duradouras, umas mais felizes, umas menos felizes. Constituem o nosso calendário de efemérides íntimo.
O mês de Março foi de muitas comemorações: Primavera, árvore, sono, poesia, etc
Houve até um dia para a Mulher. Não discorro aqui se as mulheres deviam ter um dia ou não, se não serão nossos todos os dias que quisermos, se não será uma chinesice uma vez que os homens não têm nenhum dia.
O que eu quero mesmo é falar de mulheres, não de todas, que seria impossível, mas de uma Mulher que é especial para mim: a minha avó.
No meu calendário de efemérides muitas estão associadas a ela, num roteiro de gestos, de palavras, de tradições que não mais voltarão. Lembro a pia de pedra onde lavávamos as meias do meu avô, onde me ensinava a esfregar com sabão e a corar a roupa ao sol; lembro a descamisada, quando chegava o carro dos bois e tirávamos as maçarocas da palha e depois na eira, no estio, quando escarolávamos o milho e esperávamos ansiosos por ela e o lanche que trazia dentro da ceira . Lembro a recolha da côngrua pascal, em que ela confeccionava coelho estufado na sua lareira para o Senhor Padre comer, as matanças de porco, lembro-me de me ensinar a amassar o pão. Lembro sobretudo as histórias dos tempos difíceis que ela me contava, a mim, que nasci em tempos de abundância, de tudo o que teve que fazer para criar as suas filhas: do alecrim que arrancou na serra, do trigo que ceifou, da azeitona que apanhou, das sardinhas divididas a meio…
Quando escrevo este texto, a minha avó trava uma das suas mais importantes batalhas, aquela que já trazemos perdida quando nascemos, embora a possamos adiar mais ou menos tempo: contra a morte. Mas 95 anos é uma bonita idade para morrer, sobretudo para quem viveu assim: de corpo inteiro, Mulher até ao fim.

Amigos...

Um amigo é um tesouro, costuma ouvir dizer-se, e com razão.
Há quem tenha muitos amigos, há quem tenha poucos. Há quem pense muitas vezes ter encontrado o tal tesouro e, um belo dia, descubra que, por trás do brilho do ouro e das pedras preciosas que refulgiam se encontra apenas pechisbeque, sem qualquer valor.
Eu tenho alguns tesouros, não muitos, porque amigos verdadeiros, daqueles que sobrevivem aos solavancos do comboio da vida, daqueles a quem podemos dizer uma graça e uma desgraça, daqueles que nos puxam a s orelhas quando é preciso e que são companheiros nas vitórias e nas derrotas, tenho muito poucos. Encontrar um amigo com estas características é raro, por isso são tesouros e devemos estimá-los. O seu brilho não é só uma capa de verniz superficial, vem de dentro: os maiores tesouros estão dentro de nós.
A nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.
É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Morte

Às vezes a morte passa-nos perto, sentimos o seu bafo... Arrepiamo-nos, pensamos que ela anda sempre por perto, embora não nos lembremos dela, embora ela seja a única coisa certa que temos ao nascer.
No trajecto diário um acidente. Um morto. O determinante está mal utilizado. Não é um morto indefinido. É uma jovem, a Liliana. Conheço-a desde pequena, conheço os pais, os avós.Hoje a tragédia caiu em casa alheia, mas foi suficientemente perto para pensar se tivesse sido na minha. Para pensar que aqueles pais hoje, ao deitarem já não terão a sua menina, nem no próximo Natal...
"Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida." Séneca

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Fim das aulas...

As aulas chegam ao fim... Quase sem se dar por isso, porque quase não há sol ou calor que nos chamem para a praia, para o ócio.
Depois de um ano de muita polémica, de muitas leis, manifestações, greves, falemos do que interessa: de pessoas.
Atrás dos nomes e dos números escondem-se realidades que vão para lá do que vê quem manda. As escolas não são fábricas, armazéns , linhas de produção... São locais onde se aprende a crescer, onde se molda gente. Onde além da planificação, do conteúdo, da nota, importa a palavra, o conselho, o mimo, o incentivo para quem muitas vezes tem na escola o oásis, o porto. Mas nem todos sabem ensinar com o coração. Às vezes não conseguem... Porque se fizeram muitos quilómetros; porque o filho ficou doente entregue não sei a quem; porque a família está a muito longe e o coração está lá também; porque não se tem jeito; porque...
O que mais gosto são os alunos. Gosto de os conhecer, de os descobrir devagarinho, de rir com eles e entre risadas partilhar com eles aquilo que sei e aprender com eles.
O prazer não pode ser decretado, mas pode ser incentivado, acarinhado.

Apresentação

Gosto de ler e escrever. Gosto das palavras. Gosto de sentir. Gosto de intervir. Gosto do silêncio às vezes. Outras vezes gosto do bulício, da confusão. Gosto de rir, de brincar. Gosto do mar. Gosto do sol na pele. Gosto dos dias de muita chuva do lado de dentro da minha janela. Gosto do vento na face. Gosto do cheiro das coisas. Gosto de descobrir. Gosto de arriscar. Gosto dos meus amigos. Gosto de pessoas. Gosto de acreditar. Gosto de sonhar.

Muito de mim ficará aqui.

Gosto de partilhar.