domingo, 31 de maio de 2009

Conversa ao fim da tarde

O dia esteve tórrido e o fim da tarde mais temperado. Na esplanada da tasca, virada para a serra, estava-se bem. Boa conversa, boa companhia.
De dentro da tasca irrompe uma mulher, aspecto humilde, por volta dos setenta anos, dificuldades de locomoção, muletas. Ocupa de imediato a última cadeira vaga existente na nossa mesa, sem pedir licença, naquela lhaneza própria de outros tempos e de outras gentes, em que se era menos polido, mas muito mais puro.
Entabula conversa e nós respondemos... Se na nossa terra também fazia calor... Sorrimos perante a pergunta que subentendia a informação donde éramos e lá dissemos... Eu de cá, outro de Santa Maria da Feira, outro de Paredes de Coura. Que sim , que conhecia de ouvir falar na tv. E a senhora perguntei eu, donde era, lá disse que era de perto, que tinha vindo no tractor e mostrou um veículo hibrido estranho, mistura entre carrinha caixa aberta e monovolume, cuja parte do tractor devia apenas ser o motor. E lá nos informou que aquele carro era o seu orgulho, que o marido tinha querido comprar um papa-reformas, mas que ela se tinha oposto veementemente. Porque havia muitos iguais lá na terra dela, porque lá dentro as pessoas mal se viam e que tinha dito ao marido que se ele fizesse a compra o destruiria todo à marretada. Eu quis confirmar, achando impossível que aquela mulher fizesse uma coisa dessas. Sim senhor, todo destruidinho à marretada. Até contou que, numa das suas viagens habituais, alguém embevecido com a qualidade da viatura se tinha deitado debaixo dela para melhor admirar a obra de arte e que mais tarde lhes tinha batido à porta para saber onde comprar tão inusitado modelo.
Naquilo, eis que sai lá de dentro o marido, que tinha ficado a pagar... E a nossa colega de mesa lá se despede e atravessa a estrada metendo-se no carro do seu orgulho.
E nós olhámos uns para os outros, rimos, agradecidos.
Há pequenos momentos assim, únicos porque improváveis. Já há pouca gente improvável, num mundo em que cada vez mais todos parecem formatados da mesma forma e em que se perdeu o gosto por isto... Pela conversa, pela descoberta dos outros, quem quer que sejam.

sábado, 30 de maio de 2009

início

arrepio com o frescor matinal
aquele que prenuncia o estio

na noite inquieta
na manhã desperta
na vida alerta

no correr dos dias
no desfiar das sílabas
no prender dos olhares

e ficar só assim
a congeminar
enquanto a madrugada me toca
e me deixa este gosto na boca...

terça-feira, 26 de maio de 2009

demónios



soltaram-se os demónios, arrastaram-me os pensamentos


escondi-me aqui nestas palavras....


até



passarem


os


tormentos.










domingo, 24 de maio de 2009

altar

na noite me sinto acolhida
nas suas marés me espraio

vago na vaga do pensamento
plano no torpor do esquecimento


velo na noite esquecida
memória dum corpo fremente...

inteira, mulher... Sempre,
no altar desta vida.

terça-feira, 19 de maio de 2009

fuga


naquele azul vai-se-me o olhar

foge-me pela janela

parte assim sem avisar



e eu fico aqui presa

nesta sala

neste corpo

e não o posso acompanhar



quão leve é o pensamento

escapa-se a cada momento


fica o corpo neste tormento

de não ser onde queria estar...





segunda-feira, 18 de maio de 2009

Casa

manhã nova
no azul me diluo
no frescor renasço

fiz estradas densas
em noites atormentadas
de curvas sinuosas
de tristezas inesperadas

cheguei a casa...

domingo, 17 de maio de 2009

Simples

Simples, não é?
Respirar, comer, andar, falar, dormir...

Será assim tão simples
viver?

Era... Se não fosse o ser.

Sou-me estranha
Sou-te livro aberto
Sinto-te perto...

domingo, 10 de maio de 2009

Sulco


a mão que escolheu a palavra

traçou o sulco no corpo

e aí foi poema


letra a letra

pele a pele

desvendou a alma


e num cruzamento

na pele morena

alma e corpo

no mesmo alinhamento



na boca que segue a mão...

a liturgia da seiva

que se derrama ... serena.

sábado, 9 de maio de 2009

Castelo



agora que as chuvas marearam o pó


agora que o dia morre sombrio


agora que o silêncio toma a casa só


os pensamentos bailam no seu desvario





o castelo imóvel no céu recortado


assiste indiferente


ao ancestral bailado


viu entrar reis e rainhas

ouviu recitar ladainhas


sentiu desgostos e partidas


dores consentidas...






pouco importam os séculos

os ventos que o fustigaram

importam só as vidas.




E essas são secularmente iguais.



sexta-feira, 8 de maio de 2009

Chegou ao fim... Ufa! E estou viva... É o que interessa. Semana feita cansaço, feita lição. Sempre a aprender, como a vida gosta. E como eu gosto da vida, desculpo-lhe estas coisas
.

Amigos e Amizade

Hoje apeteceu-me voltar a colocar aqui dois textos sobre amigos e amizade que escrevi em 2007 e que estão no blog muito lá atrás...
Não mudei de ideias...

Amigos
Um amigo é um tesouro, costuma ouvir dizer-se, e com razão.Há quem tenha muitos amigos, há quem tenha poucos. Há quem pense muitas vezes ter encontrado o tal tesouro e, um belo dia, descubra que, por trás do brilho do ouro e das pedras preciosas que refulgiam se encontra apenas pechisbeque, sem qualquer valor.Eu tenho alguns tesouros, não muitos, porque amigos verdadeiros, daqueles que sobrevivem aos solavancos do comboio da vida, daqueles a quem podemos dizer uma graça e uma desgraça, daqueles que nos puxam a s orelhas quando é preciso e que são companheiros nas vitórias e nas derrotas, tenho muito poucos. Encontrar um amigo com estas características é raro, por isso são tesouros e devemos estimá-los. O seu brilho não é só uma capa de verniz superficial, vem de dentro: os maiores tesouros estão dentro de nós.A nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.


Cais...
Já aqui coloquei um texto sobre os amigos, logo no início. Hoje apeteceu-me voltar ao tema, por circunstâncias várias. Na altura falei que a nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.O problema é que nem sempre as partidas são pacíficas... Enquanto que as chegadas são momentos de alegria, de novidade, as partidas são muitas vezes sinónimo de perda, de dor, sobretudo quando sentimos que quem parte não regressará e porque normalmente os motivos da partida nos doem. Faz parte da vida e sabermos arrumar as ausências e o espaço de quem partiu, porque o terá sempre...é sinal de sabedoria e crescimento.Importante é manter a porta aberta... Há tanta gente que nos enriquece, que é única... Todos somos únicos de alguma forma, na nossa diversidade. Por isso gosto de gente em geral... Por isso gosto de sair de casa em cada dia, porque todos os dias me surpreendo. Nem sempre as surpresas são boas, mas as más não lhe dou grande importância... Vão para a reciclagem... As boas dão cor aos meus dias e fazem-me sentir muito bem por respirar.É manhã... Respiras, acordas e eu sinto.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

consolo

deixo a alma divagar
o corpo anda a lidar


pudesse eu escolher
e seria apenas luz
nem corpo nem alma
apenas a claridade que tudo conduz


mas como não me foi dado esse dom
e doutra forma não sei viver
sou assim imperfeita
dividida entre aquilo que sei querer
e o que sei não alcançar

resta-me a palavra para me consolar.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

caminhada


deste madrugada morna
quero a serenidade



deste sol nascente
quero o brilho


nada mais


vou só no meu trilho...





domingo, 3 de maio de 2009

Mãe

Não gosto de dias marcados. Aqui fica um texto que escrevi em Feveiro 2009 , mas que se adapta bem ao dia...

fui mãe nova, não demasiado nova, mas, de qualquer das maneiras, aos 23 anos penso que se pode considerar nova para os dias de hoje. fui mãe nova e como tal sem definir grandes planos ou traçar grandes objectivos,porque era assim casava-se e tinha-se filhos e pronto. nessa altura ainda não me tinha chegado a mania das interrogações ou das cogitações.por isso, não me debati com grandes interogações metafísicas ou dúvidas existenciais, sobre se seria boa mãe, sobre a grande responsabilidade de educar um filho,e essas cenas, como eles dizem agora.não sendo daquelas pessoas com instinto maternal exacerbado, fui aprendendo a ser mãe aos poucos, fui crescendo com eles, fui-me educando.
dezassete anos depois digo que é o emprego que mais gosto, o que me dá mais prazer, o que me dá mais felicidade.sem nenhuma dúvida.Sou uma mãe feliz, muito feliz.
não quer dizer que seja uma mãe perfeita, ou que os meus filhos sejam perfeitos... Mas andamos lá perto, loooooool (aprendi a lolar com eles).
Rimos muito os três, e às vezes gritamos muito também, porque os gajos são uns desarrumados do catano e ouvem música aos berros, menos mal que ouvem Doors, pink floyd e outras cenas afins, o problema é só o volume.
Com o mais velho, ave rara, partilho uma infinidade de coisas grandes e pequenas, livros, séries, blogues, confidências várias, os meus amigos, os seus amigos...
Com o mais novo, ganda cromo, mais parecido comigo, é mais músicas, culinária,ginásio, public relations e uma boa disposição contagiante.
Por isso, o dinheiro não estica, a euribor, o combustível, moem, mas não matam porque nos temos felizes e saudáveis.para o ano o mais velho vai sair do ninho, não me aflige, fico contente por ele, faz parte. eu fico cá sempre e ele sabe. mas vou ter umas saudadezitas...
pronto...hoje deu-me para isto, talvez porque ontem tive a casa cheia com os amigos deles e me diverti com o divertimento deles e porque adoro vê-los assim: felizes.
Para quem não tinha plano nem filosofia inicial, acho que não estou a ir mal, nada mal mesmo ( modéstia à parte)...

Estou

o tempo deixou-me aqui
nem sei porquê...

respiro
sou
espero

uma tempestade
uma calmaria
um raio


ou só mais este dia...

sábado, 2 de maio de 2009

Ao F. e à sua menina


Acorda...
Ouves a minha voz? Hoje trago na minha voz o sol e a rua...
Na rua estão as flores, sentes o perfume aqui nestas palavras?
Sei que aí, onde estás, também deve haver flores e muitos risos
Não pode ser doutra forma...
Mas eu espero-te aqui, para colher flores, para correr, para veres o sol comigo


Anda... Está um dia lindo para voarmos por esse céu fora
de mãos dadas, bebendo o azul

Está um dia lindo para cresceres
Está um dia lindo para te ver crescer


Anda... Eu puxo por ti...

Enquanto não podes vir, eu faço-te companhia aqui
Voamos na mesma... Sem sair deste quarto...



Voarei sempre contigo.

Justificação de atraso

Fiz o texto que está em baixo ontem... E depois não o editei... Nem sei bem porquê... Talvez até saiba... Porque quando o acabei desembarcaram por aqui umas palavras de tanta dor que o meu texto, de repente pareceu fútil...
Mas agora decidi colocá-lo aqui... Mesmo assim, porque tenho a sorte de poder escrever destas coisas e agradecer a vida que eu e os meus temos.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Balanço semanal

É manhã e a casa dorme. Não há a música dos rapazes, nem a tv, nem o computador. Ouço apenas ao longe o barulho da montagem das barracas para o mercado semanal, quando os ferros caem no chão e vibram.

Semana curta, mas intensa. Ao contrário de outras em que se sucedem rotinas, esta foi pontilhada de acontecimentos, de histórias.

A história que mais sobressaiu, pela negativa, esta semana foi a que ocorreu numa escola primária do concelho de Porto de Mós: a professora, aparentemente de cabeça perdida por uma turma de 7/8 anos mais turbulenta, e perante a brincadeira gravíssima de três rapazes que corriam em tronco nu de volta de uma colega, resolveu chamar a polícia, o vereador da educação, os pais todos e fazer uma espécie de linchamento, de julgamento colectivo, com direito a desmaio da mãe de uma das crianças "criminosas" e tudo... Podem ler aqui.http://vilaforte.blogs.sapo.pt/

Depois conversas agradáveis, convívio com amigos e família...