quinta-feira, 27 de março de 2008

# 25: Outras felicidades

(...)
8.Vê se percebes, amor.Eu quero voar. Quero fechar os olhos, abrir os braços e voar, subir e subir e subir, atravessar nuvens e sentir a sua humidade na ponta da língua, trespassar o azul do céu com o azul dos meus olhos, e continuar, sempre, por aí acima. Quero sentar-me na lua e sentir o cheiro das estrelas. Quero ser engolida por um buraco negro, ser perseguida por uma estrela cadente. Quero espreitar o interior dos satélites, dançar nas suas asas.E depois, regressar. Conhecer os mares, nadá-los, aprender os seus fundos. Perseguir peixes, ser engolida por uma baleia e adormecer no seu estômago. Descobrir grutas subterrâneas, desenterrar tesouros fabulosos. Encontrar o equivalente masculino das sereias (tritões, não é?) e fazer amor sobre as algas, vez após vez. Ou simplesmente: respirar dentro de água.Quero deitar-me na erva fofa de uma campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando: como se o mundo esperasse por mim. Percebes isto? Sentir que o mundo espera por mim. Sentir que sou tão importante para o mundo que ele espera por mim.E depois, agradecer-lhe: devorando-o. Sei lá: subir árvores, andar de bicicleta, roubar nêsperas e atirar os caroços a quem calhar, colher flores, aprender a linguagem secreta dos gatos, fazer pão e comê-lo com manteiga, rasgar os livros de que não gosto, tocar violino no cimo de uma montanha, fazer aviões de papel e atirá-los do alto de um farol, escrever poemas eróticos e declamá-los a desconhecidos, colher caracóis nas bermas das estradas e depois libertá-los nos pomares, brincar com bonecas, abordar pessoas desconhecidas e adivinhar-lhes os nomes, caminhar pelos passeios e sorrir a quem passa.Quero percorrer o mundo, cada centímetro do mundo, e apropriar-me dele, fazê-lo meu. Quero devorar vida, engolir felicidade; e depois, devolvê-la, através dos olhos, a quem amo, a quem um dia odiei. Quero beber a beleza do mundo e dos homens, embriagar-me de beleza, ser beleza. Destilar beleza. E depois, morrer: saciada. Deitar-me novamente na erva fofa do mesmo campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando, parou: para sempre.Percebes, amor?Quero tão pouco, afinal. Não achas?

Paulo Kellerman
http://agavetadopaulo.blogspot.com

2 comentários:

prafrente disse...

"Vê se percebes amor..."

Confesso que não percebo!Talvez o excesso de testesterona de macho latino tenha aniquilado os meus circuitos da emotividade.
Uma praia, uma flor,um olhar intenso,um sorrriso de cumplicidade, uma dor partilhada...

Todos queremos ser felizes e a felicidade passa por não complicarmos aquilo que é simples...

Anónimo disse...

Mas eu percebi minha amiga, percebi e compreendi muito bem e gostei, gostei muito.
É um trecho supremo.
Obrigado por tê-lo selecionado.
Maria Antonieta Mariano