O dia esteve tórrido e o fim da tarde mais temperado. Na esplanada da tasca, virada para a serra, estava-se bem. Boa conversa, boa companhia.
De dentro da tasca irrompe uma mulher, aspecto humilde, por volta dos setenta anos, dificuldades de locomoção, muletas. Ocupa de imediato a última cadeira vaga existente na nossa mesa, sem pedir licença, naquela lhaneza própria de outros tempos e de outras gentes, em que se era menos polido, mas muito mais puro.
Entabula conversa e nós respondemos... Se na nossa terra também fazia calor... Sorrimos perante a pergunta que subentendia a informação donde éramos e lá dissemos... Eu de cá, outro de Santa Maria da Feira, outro de Paredes de Coura. Que sim , que conhecia de ouvir falar na tv. E a senhora perguntei eu, donde era, lá disse que era de perto, que tinha vindo no tractor e mostrou um veículo hibrido estranho, mistura entre carrinha caixa aberta e monovolume, cuja parte do tractor devia apenas ser o motor. E lá nos informou que aquele carro era o seu orgulho, que o marido tinha querido comprar um papa-reformas, mas que ela se tinha oposto veementemente. Porque havia muitos iguais lá na terra dela, porque lá dentro as pessoas mal se viam e que tinha dito ao marido que se ele fizesse a compra o destruiria todo à marretada. Eu quis confirmar, achando impossível que aquela mulher fizesse uma coisa dessas. Sim senhor, todo destruidinho à marretada. Até contou que, numa das suas viagens habituais, alguém embevecido com a qualidade da viatura se tinha deitado debaixo dela para melhor admirar a obra de arte e que mais tarde lhes tinha batido à porta para saber onde comprar tão inusitado modelo.
Naquilo, eis que sai lá de dentro o marido, que tinha ficado a pagar... E a nossa colega de mesa lá se despede e atravessa a estrada metendo-se no carro do seu orgulho.
E nós olhámos uns para os outros, rimos, agradecidos.
Há pequenos momentos assim, únicos porque improváveis. Já há pouca gente improvável, num mundo em que cada vez mais todos parecem formatados da mesma forma e em que se perdeu o gosto por isto... Pela conversa, pela descoberta dos outros, quem quer que sejam.
7 comentários:
Que bela conversa de café. :)
É bem verdade, repetem-se palavras e ideias por esse mundo fora, olha-se de soslaio para tudo o que é diferente, escarnece-se o diverso. Não fora o diverso, a ruptura e viveríamos todos da pastorícia, erões no topo das montanhas e invernos nos vales.
São momentos impagáveis!
E como aprendemos, ao sabor destas aragens que parecem chegadas do passado!
Um beijo
e nas conversas de café sabemos tantas coisas.....lol
Olá
Chama-se a isso uma conversa do rural profundo... :)
Beijoka
Não só Elvis está vivo!
Fellini também!!!
Estas cenas alimentam a arte.
Todos nós precisamos de momentos empáticos que nos fazem sentir parte integrante de um todo disperso...
Bjinho
Bom fim de semana
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