sexta-feira, 29 de junho de 2007

O cair da flor...

Os dias sucedem-se rapidamente, iguais em termos cronológicos para todos, mas tão diferentes para cada um.
Dentro de nós existem datas especiais, podem coincidir com as do calendário ou não, mas constituem marcos, às vezes somente lembranças, umas mais fugazes, umas mais duradouras, umas mais felizes, umas menos felizes. Constituem o nosso calendário de efemérides íntimo.
O mês de Março foi de muitas comemorações: Primavera, árvore, sono, poesia, etc
Houve até um dia para a Mulher. Não discorro aqui se as mulheres deviam ter um dia ou não, se não serão nossos todos os dias que quisermos, se não será uma chinesice uma vez que os homens não têm nenhum dia.
O que eu quero mesmo é falar de mulheres, não de todas, que seria impossível, mas de uma Mulher que é especial para mim: a minha avó.
No meu calendário de efemérides muitas estão associadas a ela, num roteiro de gestos, de palavras, de tradições que não mais voltarão. Lembro a pia de pedra onde lavávamos as meias do meu avô, onde me ensinava a esfregar com sabão e a corar a roupa ao sol; lembro a descamisada, quando chegava o carro dos bois e tirávamos as maçarocas da palha e depois na eira, no estio, quando escarolávamos o milho e esperávamos ansiosos por ela e o lanche que trazia dentro da ceira . Lembro a recolha da côngrua pascal, em que ela confeccionava coelho estufado na sua lareira para o Senhor Padre comer, as matanças de porco, lembro-me de me ensinar a amassar o pão. Lembro sobretudo as histórias dos tempos difíceis que ela me contava, a mim, que nasci em tempos de abundância, de tudo o que teve que fazer para criar as suas filhas: do alecrim que arrancou na serra, do trigo que ceifou, da azeitona que apanhou, das sardinhas divididas a meio…
Quando escrevo este texto, a minha avó trava uma das suas mais importantes batalhas, aquela que já trazemos perdida quando nascemos, embora a possamos adiar mais ou menos tempo: contra a morte. Mas 95 anos é uma bonita idade para morrer, sobretudo para quem viveu assim: de corpo inteiro, Mulher até ao fim.

1 comentário:

deixas_em_mim disse...

Se deus, na verdade existisse, e fosse tão perfeito como o pintam, havia pessoas, que teriam de ser Eternas.
Um beijo para ti, e para essa grande mulher :)