domingo, 26 de julho de 2009

Solidão

Manhã de Verão na cidade. Ar ainda fresco a adivinhar o calor da tarde. Na esplanada leio o jornal e observo as pessoas que vão e vêm.
Chega uma mulher, na casa dos sessenta. Arranjada. Com as suas compras na mão. Senta-se e pede um café.
Leio mais um pouco. Levanto a cabeça e apercebo-me que fala em voz baixa com um senhor. Talvez da mesma idade. Arranjado também.
Ouço a conversa… Estás tão giro! Tinha saudades tuas! Vamos à praia? Anda! Vamos jantar fora, vamos sair… Queres passar o fim-de-semana fora? Tudo isto intercalado com meiguices, olhares, uma voz sussurrante… Estás tão bem! Nem parece que tens setenta anos! Anda, há quanto tempo não me ligas?
O objecto de tanta devoção, um galã com ar de Tony de Matos, ia dizendo não a todos os ternos convites feitos de mãos nas mãos… Não posso! Estás doida, não posso! À suave recriminação da ausência de chamadas, puxou do telemóvel e mostrou… Vês? Liguei-te às tantas horas e não atendeste… Ela diz que não, impossível, pega no telemóvel dele para confirmar… Ligaste para uma Maria e para uma... Quem são? No mesmo tom de voz, sedutor, baixo… O telefone volta à procedência. Anda vem levar-me as compras a casa… Que não, que não podia! Anda faz a tua boa acção do dia… E lá foi com as compras, não sem antes de se ter voltado um olhar maroto para trás, para mim e um meio sorriso.
A solidão ronda por aí. Temos telemóveis, internet, televisão, mil e uma maneiras de nos ocuparmos, mas na verdade nada substitui o calor de um outro, a inflexão na voz de alguém que escutamos, a chispa num olhar onde nos reflectimos.
Passei na segunda à noite no IC2 junto a uma danceteria famosa da praça. Uma quantidade imensa de carros. Local de espantar a solidão, de socializar à moda antiga… A menina dança? Há sempre quem dance… Talvez a tal senhora lá vá… Talvez lá tenha conhecido o galã… Talvez…

(crónica publicada no Região de Leiria de 24/7/09)

4 comentários:

DIABINHOSFORA disse...

Ás vezes não é preciso estar só para se sentir a solidão. Tal é possível junto a alguém e até no meio de uma multidão...
Outras vezes, mesmo sós, não sentimos solidão! Mas é evidente que, cada vez mais, há gente a sofrer desse "mal".

A.N. disse...

Já tempos houve em que dissertamos sobre estes temas. Interessante!!! voltamos a ouvir e a ler as mesmas coisas. O tempo passa mas verdade é que certas coisas tendem a continuar. Solidão, tão mau quando a sentimos, relega-nos para lugares reconditos da alma, escuros, feios.
Depende de cada um encontrar o trilho para longe desse destino.
Sempre que venho aqui, vejo-me imerso nas tuas palavras e no significado delas... que bom...
Beijos e Saudades
A.N.

besugo disse...

Não tem um endereço de e-mail, no seu blogue. Saiba que considero isso, considerando quase tudo, uma desconsideração.
O texto é bom. Digo eu, vale o que vale.

Zica Cabral disse...

excelnte texto e excelente analise à solidão. De facto, cada vez mais as pessoas se sentem sós. Com vidas vazias, sem interesse e sem calor. Depende às vezes de nos (um pouco) mais novos levar um pouco de calor humano aos (um pouco) mais velhos que se sentem sos.
O amor de um acompanheiro/a é agradavel mas , se as pessoas se sentem sós DENTRO de si proprias.......não vai preencher esse vazio.
ainda por cima, o homem deste texto , não lhe ligava nenhuma e estava interessado em mais Marias........
um bj
Zica