Toca-me onde me dói e
verásuma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca
adivinhada de um mistério. Esta
é a tua vez de o desvendares -
paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez. Toca-me
por isso devagar, não me lembro
da primavera que fez nascer a
doença sobre a ferida, não sinto
o recorte da cicatriz que o tempo
pousou nela. Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem
cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido
de uma aldeia. Não adivinhes -
lá, onde me doer, vou recordar-me.
Maria do Rosário Pedreira (Escritora e poetisa portuguesa, 1959- )
sábado, 30 de junho de 2007
sexta-feira, 29 de junho de 2007
O cair da flor...
Os dias sucedem-se rapidamente, iguais em termos cronológicos para todos, mas tão diferentes para cada um.
Dentro de nós existem datas especiais, podem coincidir com as do calendário ou não, mas constituem marcos, às vezes somente lembranças, umas mais fugazes, umas mais duradouras, umas mais felizes, umas menos felizes. Constituem o nosso calendário de efemérides íntimo.
O mês de Março foi de muitas comemorações: Primavera, árvore, sono, poesia, etc
Houve até um dia para a Mulher. Não discorro aqui se as mulheres deviam ter um dia ou não, se não serão nossos todos os dias que quisermos, se não será uma chinesice uma vez que os homens não têm nenhum dia.
O que eu quero mesmo é falar de mulheres, não de todas, que seria impossível, mas de uma Mulher que é especial para mim: a minha avó.
No meu calendário de efemérides muitas estão associadas a ela, num roteiro de gestos, de palavras, de tradições que não mais voltarão. Lembro a pia de pedra onde lavávamos as meias do meu avô, onde me ensinava a esfregar com sabão e a corar a roupa ao sol; lembro a descamisada, quando chegava o carro dos bois e tirávamos as maçarocas da palha e depois na eira, no estio, quando escarolávamos o milho e esperávamos ansiosos por ela e o lanche que trazia dentro da ceira . Lembro a recolha da côngrua pascal, em que ela confeccionava coelho estufado na sua lareira para o Senhor Padre comer, as matanças de porco, lembro-me de me ensinar a amassar o pão. Lembro sobretudo as histórias dos tempos difíceis que ela me contava, a mim, que nasci em tempos de abundância, de tudo o que teve que fazer para criar as suas filhas: do alecrim que arrancou na serra, do trigo que ceifou, da azeitona que apanhou, das sardinhas divididas a meio…
Quando escrevo este texto, a minha avó trava uma das suas mais importantes batalhas, aquela que já trazemos perdida quando nascemos, embora a possamos adiar mais ou menos tempo: contra a morte. Mas 95 anos é uma bonita idade para morrer, sobretudo para quem viveu assim: de corpo inteiro, Mulher até ao fim.
Dentro de nós existem datas especiais, podem coincidir com as do calendário ou não, mas constituem marcos, às vezes somente lembranças, umas mais fugazes, umas mais duradouras, umas mais felizes, umas menos felizes. Constituem o nosso calendário de efemérides íntimo.
O mês de Março foi de muitas comemorações: Primavera, árvore, sono, poesia, etc
Houve até um dia para a Mulher. Não discorro aqui se as mulheres deviam ter um dia ou não, se não serão nossos todos os dias que quisermos, se não será uma chinesice uma vez que os homens não têm nenhum dia.
O que eu quero mesmo é falar de mulheres, não de todas, que seria impossível, mas de uma Mulher que é especial para mim: a minha avó.
No meu calendário de efemérides muitas estão associadas a ela, num roteiro de gestos, de palavras, de tradições que não mais voltarão. Lembro a pia de pedra onde lavávamos as meias do meu avô, onde me ensinava a esfregar com sabão e a corar a roupa ao sol; lembro a descamisada, quando chegava o carro dos bois e tirávamos as maçarocas da palha e depois na eira, no estio, quando escarolávamos o milho e esperávamos ansiosos por ela e o lanche que trazia dentro da ceira . Lembro a recolha da côngrua pascal, em que ela confeccionava coelho estufado na sua lareira para o Senhor Padre comer, as matanças de porco, lembro-me de me ensinar a amassar o pão. Lembro sobretudo as histórias dos tempos difíceis que ela me contava, a mim, que nasci em tempos de abundância, de tudo o que teve que fazer para criar as suas filhas: do alecrim que arrancou na serra, do trigo que ceifou, da azeitona que apanhou, das sardinhas divididas a meio…
Quando escrevo este texto, a minha avó trava uma das suas mais importantes batalhas, aquela que já trazemos perdida quando nascemos, embora a possamos adiar mais ou menos tempo: contra a morte. Mas 95 anos é uma bonita idade para morrer, sobretudo para quem viveu assim: de corpo inteiro, Mulher até ao fim.
Amigos...
Um amigo é um tesouro, costuma ouvir dizer-se, e com razão.
Há quem tenha muitos amigos, há quem tenha poucos. Há quem pense muitas vezes ter encontrado o tal tesouro e, um belo dia, descubra que, por trás do brilho do ouro e das pedras preciosas que refulgiam se encontra apenas pechisbeque, sem qualquer valor.
Eu tenho alguns tesouros, não muitos, porque amigos verdadeiros, daqueles que sobrevivem aos solavancos do comboio da vida, daqueles a quem podemos dizer uma graça e uma desgraça, daqueles que nos puxam a s orelhas quando é preciso e que são companheiros nas vitórias e nas derrotas, tenho muito poucos. Encontrar um amigo com estas características é raro, por isso são tesouros e devemos estimá-los. O seu brilho não é só uma capa de verniz superficial, vem de dentro: os maiores tesouros estão dentro de nós.
A nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.
É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.
Há quem tenha muitos amigos, há quem tenha poucos. Há quem pense muitas vezes ter encontrado o tal tesouro e, um belo dia, descubra que, por trás do brilho do ouro e das pedras preciosas que refulgiam se encontra apenas pechisbeque, sem qualquer valor.
Eu tenho alguns tesouros, não muitos, porque amigos verdadeiros, daqueles que sobrevivem aos solavancos do comboio da vida, daqueles a quem podemos dizer uma graça e uma desgraça, daqueles que nos puxam a s orelhas quando é preciso e que são companheiros nas vitórias e nas derrotas, tenho muito poucos. Encontrar um amigo com estas características é raro, por isso são tesouros e devemos estimá-los. O seu brilho não é só uma capa de verniz superficial, vem de dentro: os maiores tesouros estão dentro de nós.
A nossa vida é como qualquer cais de embarque de passageiros: chegam e partem pessoas, mas algumas demoram-se. Gostam do que vêem, nós gostamos de quem chega e construímos a nossa casa comum onde voltamos sempre, ainda que viajemos muito.
É preciso mantermos a porta da casa aberta, pode entrar gente que não interessa, mas no meio da multidão há sempre tesouros escondidos que enriquecerão a nossa vida.
quinta-feira, 21 de junho de 2007
Morte
Às vezes a morte passa-nos perto, sentimos o seu bafo... Arrepiamo-nos, pensamos que ela anda sempre por perto, embora não nos lembremos dela, embora ela seja a única coisa certa que temos ao nascer.
No trajecto diário um acidente. Um morto. O determinante está mal utilizado. Não é um morto indefinido. É uma jovem, a Liliana. Conheço-a desde pequena, conheço os pais, os avós.Hoje a tragédia caiu em casa alheia, mas foi suficientemente perto para pensar se tivesse sido na minha. Para pensar que aqueles pais hoje, ao deitarem já não terão a sua menina, nem no próximo Natal...
"Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida." Séneca
No trajecto diário um acidente. Um morto. O determinante está mal utilizado. Não é um morto indefinido. É uma jovem, a Liliana. Conheço-a desde pequena, conheço os pais, os avós.Hoje a tragédia caiu em casa alheia, mas foi suficientemente perto para pensar se tivesse sido na minha. Para pensar que aqueles pais hoje, ao deitarem já não terão a sua menina, nem no próximo Natal...
"Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida." Séneca
quarta-feira, 20 de junho de 2007
Fim das aulas...
As aulas chegam ao fim... Quase sem se dar por isso, porque quase não há sol ou calor que nos chamem para a praia, para o ócio.
Depois de um ano de muita polémica, de muitas leis, manifestações, greves, falemos do que interessa: de pessoas.
Atrás dos nomes e dos números escondem-se realidades que vão para lá do que vê quem manda. As escolas não são fábricas, armazéns , linhas de produção... São locais onde se aprende a crescer, onde se molda gente. Onde além da planificação, do conteúdo, da nota, importa a palavra, o conselho, o mimo, o incentivo para quem muitas vezes tem na escola o oásis, o porto. Mas nem todos sabem ensinar com o coração. Às vezes não conseguem... Porque se fizeram muitos quilómetros; porque o filho ficou doente entregue não sei a quem; porque a família está a muito longe e o coração está lá também; porque não se tem jeito; porque...
O que mais gosto são os alunos. Gosto de os conhecer, de os descobrir devagarinho, de rir com eles e entre risadas partilhar com eles aquilo que sei e aprender com eles.
O prazer não pode ser decretado, mas pode ser incentivado, acarinhado.
As aulas chegam ao fim... Quase sem se dar por isso, porque quase não há sol ou calor que nos chamem para a praia, para o ócio.
Depois de um ano de muita polémica, de muitas leis, manifestações, greves, falemos do que interessa: de pessoas.
Atrás dos nomes e dos números escondem-se realidades que vão para lá do que vê quem manda. As escolas não são fábricas, armazéns , linhas de produção... São locais onde se aprende a crescer, onde se molda gente. Onde além da planificação, do conteúdo, da nota, importa a palavra, o conselho, o mimo, o incentivo para quem muitas vezes tem na escola o oásis, o porto. Mas nem todos sabem ensinar com o coração. Às vezes não conseguem... Porque se fizeram muitos quilómetros; porque o filho ficou doente entregue não sei a quem; porque a família está a muito longe e o coração está lá também; porque não se tem jeito; porque...
O que mais gosto são os alunos. Gosto de os conhecer, de os descobrir devagarinho, de rir com eles e entre risadas partilhar com eles aquilo que sei e aprender com eles.
O prazer não pode ser decretado, mas pode ser incentivado, acarinhado.
Apresentação
Gosto de ler e escrever. Gosto das palavras. Gosto de sentir. Gosto de intervir. Gosto do silêncio às vezes. Outras vezes gosto do bulício, da confusão. Gosto de rir, de brincar. Gosto do mar. Gosto do sol na pele. Gosto dos dias de muita chuva do lado de dentro da minha janela. Gosto do vento na face. Gosto do cheiro das coisas. Gosto de descobrir. Gosto de arriscar. Gosto dos meus amigos. Gosto de pessoas. Gosto de acreditar. Gosto de sonhar.
Muito de mim ficará aqui.
Gosto de partilhar.
Muito de mim ficará aqui.
Gosto de partilhar.
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